UMA MEGA ENTREVISTA COM FREIXO

 Em 2008, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) presidiu a CPI das Milícias na Alerj. Foi ameaçado de morte e até hoje só anda com seguranças, o que, aliás, complica, e muito, sua nova empreitada: ir às ruas este ano pedir o voto do carioca para ser o sucessor de Eduardo Paes. Aliança, ele diz que quer com a sociedade, com os militantes do PT que não engoliram o apoio do partido ao prefeito — o candidato a vice é o vereador petista Adilson Pires — e, vá lá, com os verdes. Em bom português: num eventual segundo turno entre ele e Paes, DEM e PR não são bem chegados. Freixo não foge a nenhuma pergunta, mas não esconde a irritação quando é questionadosobre os motivos que o levaram a deixar o País em novembro. Ele falou a O DIA pouco antes de um sargento PM que já foi do PSOL ser preso acusado de integrar uma milícia.
Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
  O senhor nasceu em São Gonçalo e morou em Niterói até 2010. Não seria mais fácil se candidatar à Prefeitura de Niterói?

MARCELO FREIXO: – A minha militância nunca foi uma militância distrital, nem o meu mandato: 65% dos meus votos na última eleição, que foi uma votação muito expressiva — fui o segundo mais votado do estado —, foram na cidade do Rio de Janeiro. É um elemento importante nesse cenário. Eu nunca fui um deputado de causas distritais ou locais, sempre fui o que chamam de ‘deputado de opinião’. ‘Deputados de opinião’ são deputados que fazem o debate da grande política. Minha militância sempre foi relacionada aos direitos humanos, à segurança pública. Esse nunca foi um debate de cidade. Nem da cidade de Niterói e nem da cidade do Rio. Esse debate sobre direitos humanos é um debate mais amplo. Além do mais, meu nome é considerado forte dentro do partido, até por conta da última eleição. Então, você tem uma estratégia partidária, por entender que o meu nome faz uma disputa real no Rio.
Quando o senhor saiu de Niterói para morar no Rio?

Saí de Niterói quando me casei, em 2010. Vim porque a minha vida estava toda no Rio de Janeiro. Aliás, quando eu vim não tinha nem esse aspecto da disputa eleitoral colocada aqui no Rio de Janeiro.

O senhor gosta mais do Rio do que de Niterói?

Eu gosto muito de Niterói, eu gosto muito do Rio. Mas eu não vou me tornar síndico, como o atual prefeito do Rio se considera, né? Eu vou para uma disputa política. O meu compromisso com Niterói continua, sou uma pessoa que tem um carinho enorme (pela cidade). Agora, a minha vida é toda no Rio de Janeiro, o meu trabalho é todo no Rio de Janeiro, e a disputa eleitoral é no Rio.

Há quem diga de provocação que, depois que o senhor escolheu o Marcelo Yuka (cantor, ex- O Rappa) para ser seu candidato a vice, o senhor está querendo virar um pop star e não um prefeito. O senhor realmente quer ganhar essa eleição como prefeito?

Claro que sim. A gente vai ao segundo turno. A cidade do Rio merece o segundo turno. Merece o debate. Esse caminho de cidade-empresa não é algo natural. É uma escolha política essa relação do poder público com as empreiteiras. Eu não concordo com a concepção de poder do PMDB e dos seus 18 partidos aliados. O poder público no Rio de Janeiro virou um balcão de negócios e quem determina o que acontece no Rio de Janeiro são os interesses econômicos de grandes empresas. Mas a gente tem outra concepção de política. A aliança que a gente quer é a aliança com a sociedade civil. E o Yuka expressa perfeitamente a aliança. Essa estratégia do Yuka, pra gente, é extremamente importante. Eu quero debater, por exemplo, com a base do PT, uma aliança desde o primeiro turno. A militância petista me interessa muito mais do que a cúpula do PT.

Mas o PT indicou o candidato a vice de Paes, que é o vereador Adilson Pires...

Exatamente. O vice do Eduardo Paes é uma escolha da cúpula do PT. Eu fui do PT muitos anos. Estou falando de amigos que estão lá ainda. Eu estou sendo procurado por diversos militantes do PT e eles estão dizendo o seguinte: “Vamos fazer campanha para um vereador do PT” — e acho que é legítimo — “mas vamos fazer a sua campanha para prefeito”. Eu não tenho cargos e eu não preciso da direção do partido. Não estou preocupado com o que a direção do PT está fazendo. Vai ter um preço pra eles mais tarde. Em 2014, quero ver como eles vão se virar, mas, agora, eu quero discutir a militância do PT. A militância do PV também me procurou. Não é uma concepção de aliança formal, que me dá tempo de TV, mas é uma aliança de natureza política. Vou dar um exemplo. A Andrea Gouvêa Vieira, que é do PSDB, mas é excelente, me procurou e falou: “Não tenho condições de apoiar o candidato do meu partido, eu vou me licenciar e, como cidadã, eu vou te apoiar.” Ótimo. Isso significa que eu estou me aliando ao PSDB? Não, o PSDB já tem candidato. É o (deputado federal) Otávio Leite, que é candidato. Boa sorte, né?

Se eleito,quais serão suas ações imediatas?

Tem que ver qual é a situação que a gente vai ter até lá.Você quer ver uma história? Todo esse gasto com BRT é um gasto que está todo com a iniciativa pública. O lucro vai para a iniciativa privada, e o gasto fica todo com a iniciativa pública. Por que esse gasto não é dividido com a iniciativa privada? Não tem como você chegar e romper, até porque o contrato tem que ser cumprido. Quem defende os interesses da população do Rio de Janeiro sou eu. Nós vamos nos relacionar com a iniciativa privada? Vamos, mas o que não pode é o poder público ser uma agência dos interesses do capital privado. A Prefeitura do Rio virou um balcão de negócios, onde o prefeito é um síndico e você atende aos interesses do grande capital. A parceria público-privada hoje é isso. Tem uma quantidade enorme de empresários do Rio de Janeiro que não aguentam mais isso, que não querem participar de licitação de carta marcada, que querem investir no Rio de Janeiro, mas que não aceitam... Tem que ser amigo do rei, tem que emprestar avião...

Em princípio, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) não aceita a iniciativa privada como protagonista?

Vamos combinar uma coisa: O PSOL vai disputar uma eleição, o PSOL não vai comandar uma revolução. A iniciativa privada vai investir, não depende do nosso interesse. O que não pode é ter o dinheiro que tem no Rio de Janeiro e a saúde ser a pior do País. O que não pode é ter o dinheiro que tem no Rio de Janeiro e a educação pública ser a penúltima no estado e não é diferente no município. O que não pode é ter o dinheiro que tem o Rio de Janeiro e o transporte não funcionar. É um caos. Eu estou falando de transporte, educação e saúde. São três coisas fundamentais, e eu vou falar de segurança, que aí fecham os quatro pontos mais importantes de qualquer cidade. A UPP Social inexiste, é fachada, basta olhar o orçamento.

Se o senhor chegar ao segundo turno, aceitaria compor com o DEM, do ex-prefeito Cesar Maia e de seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, pré-candidato a prefeito?

Não. Não tem composição com o DEM, nem no primeiro turno nem no segundo turno. Nem com o Garotinho nem com o PR (a filha do ex-governador, Clarissa Garotinho, é candidata a vice na chapa de Rodrigo Maia). Se eles quiserem votar em mim, ótimo. Se eu chegar no segundo turno, ótimo, a sociedade entendeu que a aliança com a sociedade civil vale a pena, que outra concepção de cidade é necessária. Agora, eu não posso chegar no segundo turno e fazer tudo diferente do que fiz no primeiro. Isso seria um absurdo.

É possível governar sem compor?

É possível e é necessário. Não quer dizer que não vamos dialogar.
O senhor foi presidente da CPI das Milícias, em 2008. É um problema ser um candidato que tem o nome tão ligado a um tema único, que é a Segurança Pública?

Se você pegar o meu mandato, em nenhum momento foi um mandato só de Segurança Pública. Atuamos muito na cultura, na educação, e eu sou professor. A minha militância é muito forte na segurança pública, é verdade. E isso no Rio de Janeiro não é um tema qualquer. Não é um tema distante do drama que vivem as pessoas. Essa história de o prefeito ter que entender de tudo... a chance de entender de nada é enorme.

Se o senhor não ganhar, o senhor se cacifa para se candidatar a deputado federal. É uma possibilidade?

Com os votos que eu tive pra deputado estadual (177.253), eu seria eleito deputado federal. Eu não preciso desse instrumento pra ser deputado federal. Não me interessa ser deputado federal, não tenho nenhuma vontade de ser candidato a deputado federal.

Financiamento de campanha: de quem o senhor não aceita dinheiro?

Daqueles que também não vão querer me doar. Esse vai ser um acordo muito fácil. Não quero dinheiro da Delta, da Odebrecht... E eles também não querem me dar dinheiro. Quem doar vai estar na internet que está doando. Eu não quero dinheiro de empreiteira, não quero dinheiro de empresas que tenham negócios com o poder público. Não tem por que ter, não faz bem.

Na campanha de 2010, teve muita gente fazendo campanha para o senhor dizendo: "Se ele não for eleito, ele vai morrer". Se o senhor não fosse eleito, seu risco de morrer, por conta das ameaças que já recebeu depois da CPI das Milícias, realmente aumentaria?

Se eu não fosse eleito, eu não poderia continuar no Rio de Janeiro, possivelmente não poderia continuar no Brasil. O nível de ameaças é muito forte até hoje. De 2008 pra cá, são mais de 30 ameaças, enfim, terríveis... Depois da morte da (juíza) Patrícia Acioli — em agosto do ano passado (em Niterói) —, em outubro, eu comecei a receber uma ameaça atrás da outra. Foram sete em um mês.

Eram ameaças feitas diretamente ao senhor?

Eu nunca recebi ameaça direta, o que, aliás, é muito sintomático: 90% das denúncias vêm por Disque-Denúncia. Mas, se você pegar o Disque-Denúncia, você vê que o nível de informação que tem nele é muito detalhado: “A milícia tal se encontrou no dia tal, no local tal, fazem parte os policiais tais, tais, tais, estavam na reunião, nesse horário, planejam matar o deputado no restaurante tal, que ele almoça..."

Não poderia ser só um recado para deixar claro que eles o vigiam?

Se quisessem dar recado, davam de outra maneira. Porque hoje o que eu tinha que fazer eu já fiz. Os caras foram presos, mudou a opinião pública, então, hoje não tem por que a ameaça ter um outro intuito. Existe esse perfil nas ameaças: “Olha, eu te ameaço pra você parar de fazer o que você está fazendo.” Esse é um perfil. No meu caso, isso não faz sentido porque eu já fiz. Então, essas denúncias me levam a crer que podem não ser todas verdadeiras. Mas uma parte, até pelo nível de informação, é possível. Eu me reúno sistematicamente com o setor de inteligência da Segurança Pública, e me dizem: “Você não pode nem pensar em andar sem segurança porque, a qualquer momento, eles podem tentar fazer alguma coisa, eles ainda querem fazer alguma coisa.” Enfim, eu recebi muitas ameaças em outubro — sete em um mês —, muitas em novembro. Aí, eu denunciei porque não estavam investigando essas denúncias. Aí, começaram a investigar, reforçaram minha segurança. Se eu não ganhasse a eleição, não teria a menor condição porque seria uma fragilidade pra mim: eu não seria mais um homem público, teria uma estrutura menor, seria uma temeridade eu continuar vivendo aqui. Aí, eu sairia.

O senhor viajou para a Espanha logo depois dessas ameaças e foi muito criticado. Houve quem dissesse que o senhor estava fazendo marketing político e até que não estava sendo alvo de ameaças. O que o senhor foi fazer na Europa, exatamente, e como responde a essas críticas?

Primeiro, dizer que eu não estava ameaçado é um absurdo porque as ameaças vieram por escrito. O cara pode até dizer que eu não deveria viajar. Você pode dizer: “Ah, tem as ameaças, mas não era pra isso.” É uma opinião. Eu vou respeitar, vou debater. Agora, dizer que não tem ameaça, aí, não dá, é porque não é a vida dele que está em jogo, é a minha. Esses caras mataram uma juíza com a arma do estado e munição do estado. A Patrícia foi morta com as armas da polícia e com a munição da polícia. Esses caras foram capazes de fazer isso. Um mês depois da morte da Patrícia, eu recebo sete ameaças detalhadas de como eles iam me matar. Então, dizer que não tinha ameaça, não faça isso, isso não é briga política, isso é covardia, isso eu não trato com respeito. Eu sempre tive segurança da CPI pra cá. Essas ameaças se intensificaram, em outubro, por isso viajei em novembro — no dia em que eu viajei, eu recebi outra. Quando eu comecei a receber uma atrás da outra, policiais diziam: “É todo um cenário de que vão tentar.” Estou pedindo: “Tem que reforçar a segurança, nitidamente, eu sou o próximo da lista...” Eu nunca recebia uma informação sobre a ameaça que eu recebia... Só faltava vir embaixo, assim, “vire-se”. O Tim Cahill, da Anistia, ligou e falou “Marcelo, sai daí, sai agora, nem que seja por pouco tempo, mas a sua saída é um instrumento pra denunciar o que está acontecendo.” Eu fiquei 15 dias, tempo suficiente pra eu viajar, criar um estardalhaço e falar: ‘Eu estou sendo ameaçado, esses caras vão me matar e eu não estou conseguindo reforçar minha segurança, fazer com que a secretaria investigue essas denúncias adequadamente’. Eu voltei e concluí a CPI das Armas. Depois da minha viagem, reforçaram minha segurança e abriram procedimento de investigação sobre todas as denúncias. O número de ameaças caiu. A viagem foi isso.

O senhor fez alguma palestra lá?

Nenhuma. A Anistia Internacional não organiza palestras.

O senhor acha que a deputada estadual Janira Rocha (PSOL) quebrou o decoro parlamentar ao tratar por telefone (em conversa que foi gravada por escuta telefônica) a greve de policiais e bombeiros, no início do ano, com o ex-cabo bombeiro Benevenuto Dacciolo?

Não. Tem deputado aqui (na Alerj) que responde por homicídio, formação de quadrilha, tem de tudo. Achar que foi a Janira que quebrou o decoro porque apoiou uma greve é uma piada, é só o que me faltava. Isso não tem o menor cabimento. Você pode não concordar. Agora daí a dizer que é quebra de decoro...

O senhor aceitaria apoio do Dacciolo?

Eu aceito apoio de qualquer bombeiro, de qualquer trabalhador, apoio é apoio. Quem quiser me apoiar pode apoiar.

O senhor é favorável à greve de militares, de pessoas armadas?

Não, não sou. Acho que é complicado. Primeiro, no caso do Rio de Janeiro, defendo desde a CPI, está no relatório, de 2008, uma proposta de desmilitarização do Corpo de Bombeiros. Não vejo por que bombeiro ser militar. Acho que movimento de reivindicação é justo em qualquer categoria. Acho que a gente tem que democratizar as relações internas da polícia, porque a gente vive ainda a polícia com um regimento que é uma regra interna oriunda da ditadura militar.

O programa do PSOL fala em “socialismo com democracia”. Que modelo de governo o senhor defende?

Eu defendo o modelo socialista. O modelo socialista que eu acredito nunca pode ser autoritário. Antes de qualquer coisa, eu sou um militante dos direitos humanos. Seja qual for o governo, tem que respeitar a pessoa humana, a dignidade humana tem que ser a prioridade número 1 de qualquer governo. Então, se eu estiver num governo que seja socialista e a dignidade humana estiver atingida, eu vou ser crítico a esse governo. Para mim, a questão humanitária é fundamental. A dignidade humana está acima de qualquer coisa. Não há sistema de governo que possa ser defendido às custas da dignidade de nenhuma pessoa.

O senhor poderia apontar uma coisa boa e uma coisa ruim do prefeito?

Uma característica dele que é boa é que ele é um cara que tem disposição para trabalhar. Diferente do governador, por exemplo. É um cara que acorda cedo, que trabalha... A negativa é que ele é um agente de uma política que faz o poder público inexistir. O poder público hoje é um balcão de negócios, que está submetido aos interesses de um poder empresarial não muito republicano.
O senhor ainda tem medo de morrer?

Sempre. A questão não é ter ou não ter. A questão é como você convive com ele, o que você faz dele.

E o que o senhor faz dele?

Não pode se fazer refém. Ele tem que gerar cuidado, mas não pode gerar recuo. Essa linha entre cuidado e o recuo é que é difícil. Por exemplo, se for algo que me leve a não ter equilíbrio nas coisas mínimas na vida — relação com filho, com a companheira... —, se eu não conseguir, enfim, viver, não vale a pena. Eu tenho que estar sorrindo, eu tenho que estar vivendo, eu tenho que estar conseguindo a transformação. Disso eu não posso abrir mão. Se esse medo tirar de mim a essência da minha vida, não vale a pena, eu tenho que sair dessa história.

O que o senhor não faz hoje por conta do medo?

Praia, por exemplo. Não tem condição de ir à praia.

E como é que o senhor vai fazer campanha na rua?

Eu não posso não ter segurança. Tem uma limitação. Não tem problema, por exemplo, na Zona Sul, no Centro, Tijuca... Eu tenho o máximo possível que não ficar divulgando a agenda de onde eu vou estar. Isso vai ser um problema. O fato de eu estar na disputa, de eu ser candidato, essa visibilidade é também um instrumento de proteção, claro que é. Isso é garantia? Não. Mas eles fazerem alguma coisa contra alguém que está na disputa da prefeitura tem um nível de repercussão que não é bom. Mas eu vou fazer campanha, eu não vou ficar refém disso. Em algum momento eu vou pra Bangu, pra Campo Grande,... Agora, eu vou dentro de uma comunidade tal que tem milícia? Aí, é uma coisa que quase parece provocação. Aí, não faz sentido. Aí, tem maneiras de chegar nesses lugares através das redes sociais. Olha, o que tem de gente me procurando em área de milícia. Por exemplo, fui participar de um debate numa universidade. Quando acabou o debate, dois meninos vieram falar comigo. “Olha, eu sou morador do lugar tal e o senhor vai ter muito voto lá. Campanha a gente não pode fazer, mas o senhor vai ter muito voto lá.” Isso é bacana. Eu não preciso ir lá. Tem a coisa do boca a boca.